Prefeito de Itapecuru-Mirim discute avanço da duplicação da BR 135 ignorando quilombolas sob risco de genocídio

A estratégia é conhecida e, até certo ponto, esperada. Mas nem por isso deixa de gerar espanto pela sua maldade e ranço colonial/patriarcal. Quando pegos em ataques racistas e machistas, os violentos que cometeram os ataques e que têm algo que consideram importante a perder – votos, um cargo, prestígio – costumam fazer o jogo do espelho pra tentar escapar das consequências: chamam pra perto de si e afagam publicamente aqueles que se parecem com as vítimas de seus ataques. Nunca chamam as vítimas diretamente afetadas, não pedem desculpas, até porque estão certos de que nunca foram violentos. Sem perceber, com o jogo do espelho, os violentos apenas repetem os ataques e refletem ainda mais as violências de que são capazes.

Diz o racista: “Eu não sou racista, até tenho um amigo negro”, e posta foto com o amigo negro.

Diz o machista: “Eu não sou machista, até acho que as mulheres devem falar”, e posta foto com a mulher que ele acha que deve falar.

Dias após os violentos ataques que cometeu no dia 08/02 contra lideranças do movimento negro do Maranhão, o prefeito de Itapecuru-Mirim, Benedito Coroba, apareceu em fotos ao lado de pessoas do CCN (Centro de Cultura Negra do Maranhão), além do vereador Roberto da Brigada – outro perpetrador de ataques – e do secretário de Igualdade Racial de Itapecuru-Mirim, Joel Marques. Este último, importante dizer, logo após o dia 08/02, para defender o prefeito que o nomeou [do que teria que defendê-lo se foi o prefeito que nos atacou?], achou por bem cometer os crimes de calúnia e difamação contra lideranças do movimento em grupo de whatsapp. Seus crimes foram prontamente denunciados aos órgãos competentes.

Pois bem. Estavam Coroba e os outros dois gestores que nos violentaram reunidos com pessoas do CCN na sede da entidade em São Luís para falar de políticas públicas para o povo quilombola. Curiosamente, eram praticamente as mesmíssimas políticas que estavam na pauta que nós, lideranças, levamos dia 08/02 para discutir com o prefeito, mas que não tivemos tempo sequer de apresentar, porque fomos recebidas aos gritos por ele e escorraçadas do prédio público. As pautas do movimento foram lidas ao vivo durante entrevista a uma rádio local um dia depois do ataque de Benedito Coroba.

O CCN é uma entidade criada pelo movimento negro, por nós, homens e mulheres que brigaram e brigam por direitos e contra violências coloniais. Uma dor imensa ver a entidade ser instrumentalizada e diminuída como se fosse aquele couro macio, o pelego, utilizado para escamotear atritos, mas sem nunca resolvê-los – ao contrário, aprofundando cisões e rupturas. Dor imensa ver o CCN ser instrumentalizado como fórmula mágica de redenção para quem calou, aos gritos, mulheres e homens pretos em praça pública, de maneira vil e vergonhosa.

Mas isso não é só.

Hoje, 19/02, a prefeitura de Itapecuru-Mirim anunciou, por meio de seu Facebook, que o prefeito Benedito Coroba, acompanhado do assessor pastor Silvano e do assessor da procuradoria geral do município Henrik Sousa, recebeu em sua residência o deputado federal pastor Gildenemyr para discutir, entre outras pautas, a duplicação da BR 135. De acordo com a nota da prefeitura, o deputado já marcou reunião com o DNIT sobre a duplicação, “defendendo que a obra chegue imediatamente à região, que passará a ter um novo modelo de urbanização, que também contará com padronização de boxes para que os moradores comercializem seus produtos com dignidade.” Importante ressaltar que o deputado pastor Gil, hoje mesmo (19/02), votou contra a prisão do deputado fascista Daniel Silveira, que foi preso em flagrante por ordem do STF porque divulgou vídeo no qual defendeu o AI-5, mais duro ato da ditadura militar.

De novo, a estratégia é velha e falida e, de novo, não deixa de ser espantoso como segue sendo utilizada: o discurso do emprego, da dignidade e do progresso supostamente trazidos por grandes empreendimentos que desalojam e matam pretos originários.

A gestão municipal de Benedito Coroba sentou-se para ouvir e discutir – e publicizar como se fosse ouro – o extermínio do povo preto quilombola em troca de boxes para moradores comercializarem seus produtos. A gestão do atual prefeito publiciza sem pudores e sem questionamento uma iniciativa que pede a chegada imediata de um empreendimento que foi embargado pelas violações contra povos quilombolas já cometidas pelo DNIT, uma obra de impactos socioambientais imensos, que nunca teve a participação e oitiva obrigatória dos povos pretos quilombolas, uma obra genocida. A prefeitura publiciza e fomenta ânimos genocidas de quem mata preto com asfalto, desterro e pandemia de Covid-19. Estamos em <<<< p l e n a p a n d e m i a >>>> e não há qualquer política de cuidado específico para nós, pretos quilombolas.

A propósito, gestores: que moradores serão beneficiados pela duplicação, se serão todos expulsos pelas obras? E que produtos serão vendidos, se já não terão terra para plantar? Os senhores conhecem a história da duplicação da BR 135 em Campo de Perizes? Conhecem a história dos que plantavam, pescavam e vendiam por lá, e que hoje já não podem plantar, pescar e vender por lá?

QUEM ACREDITA NA DIGNIDADE DE UM PROJETO QUE EXTERMINA PRETO?

QUEM ACREDITA NA DIGNIDADE DE UM PROJETO QUE EXTERMINA PRETO?

QUEM ACREDITA NA DIGNIDADE DE UM PROJETO QUE EXTERMINA PRETO?

Da varanda de casa, chefe do Executivo de Itapecuru-Mirim discute empreendimento federal que representa ameaça de genocídio a povos quilombolas

Ademais, a duplicação da BR 135 é uma questão federal, pois ameaça de genocídio milhares de quilombolas, especialmente em Itapecuru-Mirim, e especialmente no quilombo Santa Rosa dos Pretos, onde o DNIT pretende eliminar 345 casas. A duplicação da BR 135 está sendo discutida junto à Defensoria Pública da União (DPU) e ao Ministério Público Federal (MPF) desde 2017 até hoje, período em que nós, lideranças do movimento negro dedicadas à exaustão a esse tema, jamais vimos os referidos pastores, assessores, vereador, prefeito e muito menos o atual secretário de Igualdade Racial do município, nessas discussões. Há duas ACPs (Ação Civil Pública) em curso, além de uma denúncia internacional protocolada em 2020 pela Associação dos Produtores Rurais Quilombolas de Santa Rosa dos Pretos junto à Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) sobre a duplicação e a atuação do governo federal. Há, ainda, uma ACP ajuizada pelo MPF contra o Incra, que criou ilegalmente o P.A. Entroncamento sobre o território tradicional quilombola Santa Rosa dos Pretos e outros territórios quilombolas em processo de titulação. Sendo assim, qualquer intervenção estrutural das dimensões de uma duplicação de BR em um território com tão grave questão fundiária significa aprofundar e agudizar conflitos.

Com que legitimidade sentam-se estes homens numa varanda, alheios à nossa vida preta, nosso suor e nosso sangue, para decidir sobre nosso destino, sobre nossos corpos, e colocar como termos de medida de sucesso de política pública um punhado de asfalto e boxes de venda?

Questionamos aqui, publicamente, e questionaremos no âmbito legal federal, a legitimidade das tentativas de tratativas que buscam suplantar nosso protagonismo e nossa voz, e que tentam negociar com nossa vida, assumindo o risco de precipitar a nossa morte.

Como se vê, irmãs e irmãos pretos originários, desde o dia 08/02 estamos testemunhando que é preciso bem pouco para que o ódio colonial/patriarcal que ainda persiste contra nossa existência preta – especialmente a existência preta feminina – aflore sem pudores, e se espalhe, procurando seus pares onde quer que estejam para continuar reverberando.

De nossa parte, não deixaremos de reclamar nossos direitos e exigir respeito, porque não é de hoje que tentam nos calar aos gritos. Já faz séculos que nos violentam e nos negam a humanidade, das maneiras mais vis e insidiosas, e não raro, com o apoio dos nossos – nunca foram dos nossos! – , que saem correndo atrás de nós, no meio da noite, a nos caçar e entregar às feras e perguntar a elas, depois, com nosso sangue nas mãos: “era só isso, sinhô?”

Mas não será mais assim. Ganhamos mato, viramos mato, planta, palmeira, simaumeira, somos terra, e nosso horizonte sempre foi a liberdade.

Para nós, pretos originários, nenhum direito a menos, nenhuma violência a mais!

#PovoPretoVive

#PovoPretoVivo

#NaoAoGenocidioDoPovoPreto

Aos gritos, prefeito de Itapecuru-Mirim agride verbalmente lideranças quilombolas do movimento negro do Maranhão

Entre as lideranças estava o ancião Libânio Pires, de 86 anos, a gestora estadual da escola quilombola Rafaela Pires, Anacleta Pires da Silva, o pai de Santo João Batista Sousa Pereira, presidente da Utucabi, e o presidente da Unicquita, Elias Pires Belfort

Imagem da frente da prefeitura, minutos depois de as lideranças quilombolas terem sido agredidas. À direita, na parte de dentro do edifício, é possível ver alguns dos guardas chamados para estarem a postos, com as mãos no coldre.

O prefeito eleito de Itapecuru-Mirim, Benedito Coroba (PSB), protagonizou um violento e gratuito ataque moral a um grupo de lideranças quilombolas do movimento negro do Maranhão diante da sede da prefeitura na manhã do dia 08/02.

As lideranças aguardavam pelo prefeito para uma reunião previamente marcada por meio de seu gabinete no dia 04/02, com ofício protocolado e assinado por funcionária da prefeitura. Na pauta da reunião, as lideranças tinham previsto discutir temas relativos a políticas públicas da população quilombola de Itapecuru-Mirim, como a disponibilidade da vacina contra Covid-19 para povos quilombolas e tradicionais, a atualização do cadastro único das famílias quilombolas, o funcionamento dos postos e unidades básicas de saúde nas comunidades rurais, a implementação do currículo quilombola nas escolas, entre outros temas urgentes para a população preta do município.

Entre as lideranças estavam o ancião Libânio Pires, 86 anos, personalidade histórica da luta preta no Maranhão; Anacleta Pires da Silva, gestora estadual da escola quilombola Rafaela Pires, do quilombo Santa Rosa dos Pretos; João Batista Sousa Pereira, pai de Santo e presidente da União dos Terreiros de Umbanda e de Matriz Africana de Itapecuru-Mirim (Utucabi); Elias Pires Belfort, presidente da União das Comunidades Negras Rurais Quilombolas de Itapecuru-Mirim (Unicquita); Zica Pires, coordenadora geral do coletivo Agentes Agroflorestais Quilombolas (AAQ); Luiz Carlos Oliveira, presidente da associação do quilombo Santa Helena; e José da Conceição Silva, presidente da associação do quilombo Juçara.

Benedito Coroba chegou à prefeitura e passou direto pelas lideranças sem cumprimentá-las. Elas o aguardavam em pé no corredor de acesso ao edifício público. Antes mesmo de entrar no gabinete, porém, ele voltou à entrada e, em pé, diante da liderança Anacleta Pires da Silva, perguntou aos gritos: “qual é o problema?! Qual é o problema?!”

Sem entender o que estava acontecendo, e estarrecida com a violência da qual estavam sendo vítimas, Anacleta disse que ele é que teria que dizer qual era o problema.

“Eu agora recebi um telefonema do vereador Roberto da Brigada dizendo que vocês vão vir conversar comigo, que eu tenho que atender, e que vocês vão me levar para o Ministério Público, então a gente conversa no Ministério Público”, disse Coroba, causando ainda mais estranheza às lideranças. “Eu não aceito pressão de ninguém, de ninguém!”, gritou o prefeito, em seguida.

A guarda municipal foi chamada. Em poucos minutos, pelo menos seis guardas armados se colocaram ao redor das lideranças, em postura ostensiva, com a mão a postos no coldre.

O ancião Libânio Pires, desconcertado com tamanha violência por parte do prefeito, disse às demais lideranças que fossem embora. “Ele chamou a gente de ninguém, de ninguém. Ninguém é merda. Ele está dizendo que somos merda. Vamos embora daqui.”

Antes de se retirarem, as lideranças pediram ao prefeito que chamasse o vereador e policial militar José Roberto Gonçalves Alves (PROS), conhecido como Roberto da Brigada, para que ele repetisse o que havia dito de fato. O parlamentar apareceu poucos minutos depois, e repetiu o falso testemunho que dera, por telefone, a Benedito Coroba, e que este aceitou como verdadeiro. Em seguida, o vereador virou-se para o prefeito e perguntou “era só isso, doutor?”.

O vereador foi rebatido pelas lideranças, que afirmaram serem falsas suas palavras. “Me respeite, que eu não sou seu moleque!”, gritou Roberto da Brigada para a liderança Anacleta Pires da Silva. “Era só o que faltava pra gente agora, voltar à opressão de 520 anos atrás, na casa grande”, devolveu a liderança, indignada com o machismo e a postura colonialista do parlamentar, que apesar de ser negro, reproduz e reforça estruturas racistas e patriarcais, que tratam mulheres e negros como não humanos.

Benedito Coroba, ex-deputado estadual, advogado e promotor de justiça aposentado, não deu chance ao contraditório: quando as lideranças tentaram lhe dizer que as afirmações do vereador eram falsas, ele deu as costas e as deixou falando sozinhas.

Racismo e fake news: raízes da violência

Só depois de ouvirem o testemunho falso do parlamentar é que as lideranças ali presentes conseguiram entender a raiz do que estava acontecendo. “Quando chegamos à prefeitura naquela manhã para a reunião marcada, ficamos alguns minutos na praça em frente ao prédio público aguardando outros dois companheiros que ainda estavam a caminho”, relata Elias Pires Belfort.

Nesse momento, disse a liderança, o grupo foi abordado pelo vereador Roberto da Brigada, que passava pelo local e se aproximou sem ser chamado. “Ele puxou conversa falando coisas que não tinham a ver com nada do que a gente conversava ali, falou de forma confusa sobre royalties da mineração, falou de fiscalização do poder público, disse que não precisava de salário de vereador porque é militar, falou um tanto de coisa que a gente nem entendeu mesmo por que ele se aproximou de nós”, relatou Anacleta Pires da Silva.

Em determinado momento, segundo as lideranças, o parlamentar disse que investigaria a Secretaria de Igualdade Racial da gestão passada, e que levaria ao Ministério Público qualquer irregularidade que encontrasse. O presidente da Unicquita comentou com o vereador que quem coordenou a referida secretaria na gestão passada, ao longo de três anos, em conjunto com a Secretaria da Mulher, foi a esposa do atual prefeito. Disse, ainda, que atualmente foram reportadas a lideranças do movimento negro diversas retaliações de funcionários da atual gestão contra funcionários da gestão passada que permanecem no governo municipal. “Nesse momento, aproveitando que o vereador tinha puxado o assunto do Ministério Público, eu disse que essas retaliações poderiam até render denúncias ao MP, mas que o movimento não tinha feito isso por respeito ao diálogo primeiro, para tentar entender o que está acontecendo, até porque a gestão começou agora e ainda estamos tomando pé das coisas”, completou Elias.

A conversa, que era amistosa, acabou por aí, sem mais consequências. As lideranças ainda permaneceram alguns minutos na praça, e foi nesse momento que o parlamentar saiu e fez a ligação com informações falsas ao prefeito, que abraçou a mentira como verdade, e que minutos depois, violentaria com essas mentiras lideranças quilombolas do movimento negro do Maranhão.

Indicação de cabo eleitoral para direção de escola quilombola

Roberto da Brigada está em seu primeiro mandato. Como vereador, uma das suas primeiras medidas foi indicar à secretária de Educação um dos seus cabos eleitorais para dirigir a escola municipal quilombola Elvira Pires, que fica no quilombo Santa Rosa dos Pretos. A referida escola está sediada no mesmo edifício onde funciona a escola estadual quilombola Rafaela Pires, da qual a liderança Anacleta Pires da Silva é gestora.

O cabo eleitoral indicado não é quilombola, e sua nomeação arbitrária para a direção da escola pelo vereador, sem qualquer processo de escuta das lideranças do quilombo, como a Mãe de Santo, as anciãs e anciãos, as lideranças que lutaram pela conquista da escola e que lutam pela regularização fundiária, viola a cultura, a história e a forma de organização da comunidade. Viola também o que está previsto nas leis federais 10.639 e 11.645, que tratam da educação escolar quilombola e indígena. O vereador não conhece a comunidade, nem o território onde ela está inserida, e nem nunca participou de qualquer debate sobre educação quilombola em Santa Rosa dos Pretos.

A violência verbal cometida na manhã do dia 08/02 pelo prefeito Benedito Coroba e pelo vereador Roberto da Brigada contra lideranças quilombolas não foi nem a primeira do dia sofrida por elas no âmbito da gestão pública municipal. Após saírem da praça e se dirigirem à porta da prefeitura para esperar pelo prefeito, as lideranças tiveram sua entrada barrada por uma funcionária chamada Carol, que disse, com desdém: “hoje ninguém vai falar com esses quilombolas.”

Apesar da violência gratuita da funcionária, as lideranças pediram para falar com Rita Araújo, que trabalha no gabinete do prefeito e foi quem protocolou o ofício com pedido da reunião no dia 04/02. Rita apresentou-se, e pediu desculpas às lideranças pela “falta de jeito” da funcionária.

Após as tristes e violentas cenas protagonizadas pelo prefeito Benedito Coroba, pelo vereador Roberto da Brigada e pela funcionária da prefeitura Carol, as lideranças foram embora, desconcertadas com o que aconteceu, e sob os olhares das pessoas que se aglomeraram diante da prefeitura atraídas pelos gritos do gestor, e pela presença de guardas armados prontos para usar a força e a bala contra o grupo de lideranças pretas que apenas tentava discutir com o gestor temas vitais para o povo negro, que é maioria em Itapecuru-Mirim.

Libânio Pires, questionado no mesmo dia sobre o que houve na prefeitura, comentou seu desgosto com a violência sofrida, e apenas pediu, de forma irônica, que agradecessem a Benedito Coroba pelo tratamento que ele deu às lideranças quilombolas do movimento negro do Maranhão na manhã de 08/02/21.