Lideranças de Santa Rosa dos Pretos recebem mais de 200 assinaturas de entidades e indivíduos de todas as regiões do país em carta de apoio

Menos de 24 horas depois que começamos a circular uma carta denunciando as perseguições da polícia e fazendeiros que estamos sofrendo, recebemos mais de 200 assinaturas de entidades e indivíduos de todas as regiões do Brasil em apoio à nossa luta.

São entidades e pessoas que, de alguma forma, fazem parte da nossa resistência e da nossa luta histórica por terra e território no Maranhão. A defesa da vida que fazemos daqui está ligada à defesa da vida, no urbano e no rural, feita pelas entidades, coletivos, pessoas, mandatos políticos e movimentos que nos acompanham, que acompanhamos e aos quais nos conectamos pelo horizonte de bem viver.

É por causa da busca desse horizonte coletivo, preto e originário, que somos perseguidos por quem privatiza a terra e desde 1500 tenta nos eliminar.

Nossa voz é um grito, e não deixaremos de denunciar o racismo e defender a vida coletiva, a terra e o território.

Confira abaixo a carta que circulamos, e as assinaturas de aliadas e aliados que se colocam ao nosso lado contra o abuso de poder e a política de morte de governos racistas.

Agradecemos a todas e todas que se levantaram com a gente. Sigamos juntas e juntos!

LIDERANÇAS DO TERRITÓRIO QUILOMBOLA SANTA ROSA DOS PRETOS (ITAPECURU-MIRIM/MA) SÃO INTIMIDADAS E AMEAÇADAS PELA POLÍCIA COM BASE EM DENÚNCIAS DE FAZENDEIROS

Em menos de um mês, Anacleta Pires da Silva, Elias Pires Belfort e Joércio Pires da Silva, lideranças do Território Quilombola Santa Rosa dos Pretos (Itapecuru-Mirim/MA), foram intimados três vezes a comparecerem à 2ª Delegacia Regional de Polícia Civil de Itapecuru-Mirim/MA (Superintendência de Polícia Civil do Interior) para “prestar esclarecimento sobre o assunto de interesse da Justiça, devendo apresentar documento de identidade pessoal.” Ainda segundo o documento da polícia enviado às lideranças, “o não cumprimento ao presente MANDADO caracteriza crime de Desobediência”.

Nas três intimações enviadas às lideranças não foram apresentados os motivos que as justificavam. Apenas no dia 29 de abril, quando Elias e Joércio compareceram à delegacia e prestaram depoimento, é que ficaram sabendo do que se tratava a denúncia: estavam sendo acusados de destruir uma ponte que dava acesso a uma fazenda instalada de forma ilegal dentro do território quilombola, e de ameaçarem o suposto dono da propriedade e seu capataz. Anacleta estava em compromisso profissional, em reunião da Secretaria de Educação do Estado, e não pôde comparecer à delegacia. 

Mesmo com os devidos depoimentos prestados, as lideranças foram novamente convocadas a prestar esclarecimentos de interesse da Justiça. No Termo Circunstanciado de Ocorrência (TCO) n° 0801264-84.2021.8.10.0048 registrado contra Anacleta, Elias e Joércio, não consta sequer a indicação de testemunhas que comprovem qualquer participação dos acusados nos atos dos quais estão sendo acusados. A testemunha que relata as acusações é capataz do suposto proprietário.

Algo muito parecido já aconteceu com as mesmas lideranças – com exceção de Joércio Pires. Em 2014, a mineradora transnacional Vale processou Anacleta, Elias e outras lideranças do território quilombola com base em um boletim de ocorrência lavrado por um funcionário da empresa alegando que os acusados estavam bloqueando os trilhos da Estrada de Ferro Carajás em uma manifestação. A “prova” da acusação era uma foto em que cerca de 20 pessoas aparecem todas de costas. (https://theintercept.com/2018/08/13/vale-quilombos-maranhao/)

A fazenda em questão está entre outras que foram desapropriadas em 2015, por meio de decreto presidencial, para fins de titulação do Território Quilombola Santa Rosa dos Pretos. A fazenda está dentro do território quilombola, e está sujeita ao processo de desintrusão para que as terras onde se assenta, pertencentes aos quilombolas, voltem para o domínio do povo preto por meio de processo já instalado junto ao INCRA (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária). A morosidade e omissão do INCRA, órgão federal, em executar os processos de titulação de territórios quilombolas tem levado, não apenas em Santa Rosa dos Pretos, mas em diversos territórios quilombolas, a um acirramento de conflitos, violência e mortes de lideranças pretas.

No Brasil são históricos e conjunturais os processos de criminalização e de perseguição contra quem luta pelo direito à terra e ao território. Nesse processo, o poder público, representado por governos e polícias, junto a grileiros e cartórios, sempre empreenderam uma guerra contra o povo preto.
No Maranhão, principalmente no município de Itapecuru-Mirim, onde está o Território Quilombola Santa Rosa dos Pretos, essas violências e violações aumentaram consideravelmente nos últimos anos e, agora, no contexto da pandemia.

Há mais de 4 décadas, o Território Quilombola Santa Rosa dos Pretos tem sido palco de intensos conflitos agrários, com muitas ameaças e processos de criminalização de suas lideranças. Ao longo do ano de 2021, houve um grave recrudescimento do conflito envolvendo os quilombolas, em razão da duplicação da BR-135 e da compra e venda clandestina de lotes no interior do território.

Nesse contexto, denunciamos que no Maranhão o INCRA não cumpre seu papel com eficiência sobre as políticas fundiárias, o que favorece o aumento da grilagem, o agravamento de antigas violências e o surgimento de novas ameaças às lideranças quilombolas. O que vem acontecendo em Santa Rosa dos Pretos é reflexo do abuso do exercício do poder público em todo o país.

Exigimos a suspensão dessas denúncias caluniosas e a criminalização dessas violências contra os defensores das terras de preto no estado. Exigimos a titulação definitiva do Território Quilombola Santa Rosa dos Pretos e a devolução das terras que foram griladas.

Convidamos aliados e aliadas a assinar esta carta e divulgar em suas redes e grupos.

Território Quilombola Santa Rosa dos Pretos, 13 de maio de 2021.

“A gente só vive quando faz com que os outros também vivam, e possam viver.”
Justo Evangelista, presente!

ASSINAM A CARTA AS SEGUINTES ENTIDADES

6ª Semana Social Brasileira
ABJD – Núcleo MA
Ação Franciscana de Ecologia e Solidariedade – AFES
Ágora dos Habitantes da Terra – Brasil
Alfazendo Brasil RJ Rio
Aliança Palestina-Maranhão
Alternativas para pequenas agricultura no Tocantins APATO
AMAVIDA – Associação Maranhense para a Conservação da Natureza
Animadores dos Cristãos no Meio Rural
APRUMA – Seção Sindical do ANDES – Sindicato Nacional
Articulação das pastorais sociais da Diocese de Coroatá
Articulação Pacari Raizeiras do Cerrado
Artigo 19
Associação Agroecológica Tijupá
Associação de Advogados/as de Trabalhadores/as Rurais na Bahia – AATR-Ba
Associacao de Saude da Periferia do Maranhão-ASP/MA
Associação dos Pescadores e Pescadoras do Município de Santa Helena- Ma
Brigadas Populares
CAIANA – Coletiva Antirracista Internacional de Auto Cuidado entre Ativistas
Campanha Nacional em Defesa do Cerrado
CBJP – Comissão Brasileira Justiça e Paz
CESE – Coordenadoria Ecumênica de Serviço
CFEMEA
Coletiva As Caboclas
Coletiva Ilera
Coletiva Mulheres da Serra
Coletivo Catirina da UNDB
Coletivo Re(o)cupa
COMISSÃO ESPECIAL SOBRE MINERAÇÃO E ECOLOGIA INTEGRAL (CEEM/CNBB)
Comissão Justiça e Paz-Diocese de Macapá
Comissão Pastoral da Terra – CPT Regional Maranhão
Comissão Pastoral da Terra de Anapu-PA
Comissão social quilombo do Camorim
Comitê Nacional em Defesa dos Territórios Frente à Mineração
Conciencia Negra em Movimento- Maraba Pará
Conselho Indigenista Missionário (CIMI)
Conselho Pastoral dos Pescadores – Regional Maranhão
Dembaia
DIOCESE DE COROATÁ
FAOR Fórum da Amazônia Oriental
Fase – Programa Amazônia
FETAEMA – Federação dos Trabalhadores Rurais Agricultores e Agricultoras do Estado do Maranhão
Fórum Carajás
Forum de Mudanças Climáticas – Núcleo RJ
Fundo Dema
Gedmma-UFMA
Grupo de Pesquisa e Extensão: Política, Economia, Mineração, Ambiente e Sociedade PoEMAS
Grupo Direito de Viver Ecosol Barcarena Pará
Ibase
Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc)
Instituto Políticas Alternativas para o Cone sul – Pacs
Irmãs de Notre Dame de Namur – Brasil
Justiça Global
Justiça nos Trilhos
Laboratório de Estudos em Território, Interculturalidade e R-existência na Amazônia (LaTierra- UNIFESSPA)
Leandro Jesus Basegio
Levante do povo Tupinambá do Maranhão
Mandata Federal Talíria Petrone – PSOL/RJ
Mandato Áurea Carolina – PSOL/MG
Mandato David Miranda – PSOL/RJ  Mandato do Glauber Braga – PSOL/RJ
Mandato Fernanda Melchiona – PSOL/RS
Mandato Ivan Valente – PSOL/SP
Mandato Marcelo Freixo PSOL/RJ
Mandato Sâmia Bonfim – PSOL/SP
Mandato Talíria Petrone – PSOL/RJ
Mandato Vivi Reis – PSOL/PA
Marcha de Mulheres Negras de SP
Movimento de Defesa da Ilha
Movimento dos Atingidos pela Base Espacial de Alcântara (MABE)
Movimento dos Atingidos por Barragens MAB
Movimento pela Soberania Popular na Mineração – MAM
MSC – Irmãs Missionárias do Sagrado Coração de Jesus
MSP – Maranhão
Mulheres na Produção de Norte a Sul
NAJUP Luiza Mahin
Neabi Ifma Maracanã
OCA Maranhão
ONG Razan al-Najjar
Oposição Metalúrgica do Sul Fluminense
Organização Mulheres de Atitude
Pastoral da mulher marginalizada
Plataforma Dhesca Brasil
Programa de Assesoria Rural da Diocese de Brejo
Programa de Assessoria Rural da Diocese de Brejo
PSOL – Diretório Municipal de São Luís (MA)
Quilombo Cafundá Astrogilda
Quilombo De Ouro
Rede Brasileira de Justiça Ambiental
Rede de Mulheres das Marés e das Águas dos Manguezais Amazônicos do Maranhão
Rede Jubileu Sul Brasil
Rede Social de Justiça e Direitos Humanos
Resistência (Psol) MA

ASSINAM A CARTA AS SEGUINTES PESSOAS FÍSICAS

Abigail Vale Rocha
Adriana dos reis
Adrielma Abreu Rodrigues
Ailce Margarida Negreiros Alves
Ainá Oliveira da Silva
Albanise Pfeifer Coelho
Alex Adriano Silva Rodrigues
Alex Cordeiro
Alexandra Avelar Tavares
Alexandre Magno Teixeira de Carvalho
Alice Aires Sá
Aline Aires Sá
Alynne Sipaúba
Alysson Rodrigues da Silva
Amanda Silva
Ana Clara Figueiredo Gama de Cristo
Ana Claudia Magalhães de Almeida
Ana Letícia Torres da Silva Remnegra,/MA
Ana Lúcia Pereira Coêlho
Ana Paula Ferreira Branco
Andrea Maria Altino de Campos Loparic
Andressa da Silva Sousa
Antonia Gomes do Nascimento
Antonia Núbia de Araújo
Argelina Figueiredo
Arine Pfeifer Coelho
Artur Coelho
Barbara Franz
Beatriz de Oliveira Pereira
Benedita Nascimento
Bruna Sichi Gonçalves
Camila Andrade dos Santos
Camila Luiza Silva Machado
Celeste Suzana da Silva Bouéres
Ciro Leonardo Campos Pinheiro
Cláudio Renato dos Santos Souza
Conceição de Maria Teixeira Lima
Dayanne Santos
Débora Ximendes
Denise Carreira
Eliana Ramos de Macêdo
Elizabeth Freitas
Fabiana Eboli Santos
Felipe de Alverga Feital Caseira
Fernanda Silva Foicinha
Fernanda Souto Rodrigues
Flavia Guerra Cacalcanti
Francileide
Francilene Morais
Francisca Cardoso
Francisco de Assis da Costa Júnior
Francisco Ramos de Brito, advogado, médico, prof da UEPB/ABJD-PB
Francivania Gonçalves Silva
Gabriela Lages Gonçalves
Gilmara Gabrielle Gomes Santos
Gilvan Azevedo
Gilvan Azevedo
Guillaume Rousseau
Ian Cheibub
Igor Pfeifer Coelho
Igor Thiago Silva de Sousa
Isabela Cristine de Sousa Leite
Iza Guerra Labelle
Jackson Roger Almeida da Silva
Janaína
Jaqueline Freitas Vaz
Jefferson Yuri da Silva Lima
Jessica Carvalho
Joana Emmerick Seabra
João Almeida dos Santos Neto
João Gilberto Lucas Coelho
João Ricardo Dornelles
João Sardinha Dias Júnior
Jorge Ricardo Santos Gonçalves
Jose Domingos Cantanhede Silva
José Evandy Leite Oliveira
José Ferreira Lima Zequinha CEPASP
José Henrique Ferreira Santos
José Neto
Júlia Emmerick Seabra
Julia Francisca Gomes Simoes Moita
Julyana Ketlen Silva Machado
Karina Borges Diaz Nery de Souza
Karine Cristine Costa
Lanna Luiza Silva Bezerra
Larissa Pereira Santos
Larissa Rejane
Leandra Soares
Leandro Jesus Basegio
Leonildes Nazar
Leticia Fernanda Rodrigues
Leticia Gomes
Letícia Maria Teixeira Rocha
Lidiane Amorim
Lígia Alves Viana
Louyse Sousa Silva
Luan Pires Canavieira
Luana Appel dos Santos
Lucas Moreira
Luciano Vilar
Luís Eduardo da Silva Costa
Luiz Felipe Muniz de Souza
Luiz Fernando Amorim Pereira
Luna Dalla Rosa Carvalho
Majú do Nascimento Silva
Manoel Lemes da Silva Neto
Marcelo Chalréo – advogado
Maria da Conceição de Almeida Ferreira
Maria das Graças Castro Viana Freitas
Maria Luiza Comes
Maria máxima Pires
Mariana Lucena
Marina Corrêa
Marja Pfeifer Coelho
Martina Ahlert
Mikaell de Souza Carvalho
Monique Leonardo Neves
Nayra Helena Albuquerque Silva
Nelma Cabral
Neusilene do livramento pires
Nicole Pinheiro Bezerra
Noeme Barros da Silva de Souza
Paula Penteado Crósta
Paulo Roberto Demeter
Pedro Cláudio Cunca Bocayuva
Rafaella
Raimunda Nonata da Silva Nepomuceno
Raimundo Edson Pinto Botelho
Raphaella Morais Cunha
Rayane de Lima Pereira
Regina H Simões Barbosa
Renato Paulino Lanfranchi – Justiça nos Trilhos
Rita de Cassia Gomes Nascimento
Roberto da Silva Junior
Rosali Scalabrin
Safira Rego Lopes
Sâmia Bomfim – Deputada Federal (PSOL-SP)
Sayanne dos Santos Cardoso
Sergio Ricardo Barros
Sheila dos Santos Brasileiro
Silvia Bregman
Sofia Eduarda Azevedo Cardoso
Sofia Lopes
Solana Irene Loch Zandonai
Valda Lino
Valéria Diniz de Amorim
Vanessa de Melo Nogueira
Vanessa Pfeifer Coelho
Vitamar da Silva Araújo
Wertton Luís de Pontes Matias
Wilma Maria Martins Pereira
Yanka Karinna Viana de Souza
Yasmin Ribeiro Moraes

Perseguição policial a lideranças quilombolas de Santa Rosa dos Pretos é denunciada ao CNDH

Nós, da Associação dos Produtores Rurais Quilombolas de Santa Rosa dos Pretos, protocolamos ontem (13/05) junto ao Conselho Nacional dos Direitos Humanos (CNDH) uma carta denunciando as perseguições e intimidações que lideranças do território vêm sofrendo pelas mãos da polícia e de fazendeiros.

Entre outros fatos, nossa carta aponta ao presidente do conselho, o defensor público da União Yuri Costa, que o Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária), por sua omissão na obrigação de titular o território, vem criando o caldo de violência que agora se abate com ainda mais virulência sobre nós.

Na carta, solicitamos ao CNDH que tome as providências cabíveis para frear essa onda de racismo institucional que já fez tombar muitas e muitos dos nossos.

Confira a seguir o conteúdo da carta-denúncia enviada ao CNDH.

EXCELENTÍSSIMO SENHOR PRESIDENTE DO CONSELHO NACIONAL DOS DIREITOS HUMANOS

DR. YURI COSTA

URGENTE

CONFLITO AGRÁRIO COLETIVO. CRIMINALIZAÇÃO DE LIDERANÇAS QUILOMBOLAS. SANTA ROSA DOS PRETOS. ITAPECURU-MIRIM

A ASSOCIAÇÃO DOS PRODUTORES RURAIS QUILOMBOLAS DE SANTA ROSA DOS PRETOS, pessoa jurídica de direito privado, inscrita no  CNPJ 12.131.538/0001-14, com sede localizada em Santa Rosa dos Pretos, zona rural de Itapecuru-Mirim, Estado do Maranhão, vem apresentar denúncia sobre graves violações dos direitos humanos de nossa comunidade e solicitar, ao final, providências deste Conselho:

Há mais de 4 décadas, o território quilombola de Santa Rosa dos Pretos tem sido palco de intensos conflitos agrários, com muitas ameaças e processo de crimininalização de suas lideranças. Ao longo do ano de 2021, houve um grave recrudescimento do conflito envolvendo os quilombolas, em razão da duplicação da BR-135 e da compra e venda clandestina de lotes no interior do território. 

Em 15 de abril de 2021, em reunião por meio virtual, esta Federação, por meio de sua Secretária Agrária, recebeu diversas denúncias realizadas por representantes da Comunidade Quilombola de Santa Rosa dos Pretos, em Itapecuru-Mirim.

Os quilombolas informaram que em 22 de junho de 2015, o governo federal publicou decreto que declarou de interesse social, para fins de desapropriação, os imóveis rurais abrangidos pelo território quilombola Santa Rosa dos Pretos, localizado no Município de Itapecuru Mirim, Estado do Maranhão, com área de sete mil, trezentos e dezesseis hectares, cinquenta e um ares e doze centiares.

Contudo, desde então, o INCRA não deu seguimento à expropriação dos imóveis incidentes no território, o que, nesse período, motivou uma série de conflitos agrários, com muitas pessoas ameaçadas, destruição das matas e instalação de grandes empreendimentos (Duplicação da Estrada de Ferro Carajás, Passagem de Linhões e a recente duplicação da BR-135) que tem impactado a vida de pelo menos 300 famílias.

Mais recentemente, os moradores de Santa Rosa dos Pretos receberam a informação da servidora do INCRA Ana Carolina Quadros Reis SousaChefe do Setor Quilombola, que parte da área incidente sobre o território quilombola, a saber, a Fazenda Raio de Sol (Matrículas R-4/150, R-4/ 188, R-4/189 e R-4/326- Cartório do Cartório de 1º Ofício Extrajudicial de Itapecuru Mirim/MA) foram vendidas para um grupo agropecuário do Maranhão.

Tal situação motivou o recrudescimento dos conflitos no território quilombola, inclusive, de acordo com os moradores, com a circulação de carros e pessoas desconhecidas, que têm ido em casas de algumas lideranças locais.

Em 23 de abril de 2021, durante reunião com a participação de diversas lideranças, estas informaram que a situação do conflito se tornou mais intensa, com mais ameaças e intimidações, inclusive três delas, dentre as quais Anacleta Pires, Joercio Pires e Elias Pires foram intimados a comparecer em delegacia de polícia civil de Itapecuru-Mirim. Posteriormente, descobriu-se que tal ação ensejou a instauração de Termo Circunstanciado de Ocorrência (TCO) Nº 0801264-84.2021.8.10.0048, em tramitação na 3ª Vara de Itapecuru-Mirim, tendo como requeridos as lideranças quilombolas acima citadas.

Mais recentemente, as três lideranças, na data de 11 de maio de 2021, receberam novas intimações para comparecer na Delegacia de Polícia Civil de Itapecuru-Mirim, sem saber ao certo a razão da intimação. Por conta desta nova situação, a Comissão Estadual de Prevenção e Combate à Violência no Campo e na Cidade (COECV) foi acionada, para que articulasse, urgentemente, reunião entre a comunidade e a Secretaria de Segurança Pública, Secretaria de Igualdade Racial do Estado do Maranhão e Secretaria de Direitos Humanos e Participação Popular (SEDIHPOP) a fim de tratar da gravíssima situação.

Em razão da situação, os representantes da Comunidade Santa Rosa dos Pretos solicitaram diretamente ao INCRA, em reunião datada de 29 de abril de 2021, solicitaram a  desapropriação do imóvel denominado Fazenda Bodas de Ouro (Processo nº 54230.007670/2015-67), com área avaliada de 239,9602 hectares e expedição do TÍTULO COLETIVO PARCIAL em favor da comunidade, bem como as informações atualizadas sobre o processo de titulação da totalidade do território de Santa Rosa dos Pretos, bem como da desapropriação do imóvel Fazenda Bodas de Ouro (Processo nº 54230.007670/2015-67), com fornecimento de cópias da integralidade dos processos de titulação do processo e o da Fazenda Bodas de Ouro.

Esta situação de conflito é amplamente conhecida pelas autoridades constituídas e muitas das denúncias realizadas pela comunidade diante de órgãos públicos motivou o ajuizamento, por parte do MPF e DPU, de pelo menos quatro ações civis públicas. Além disso, no ano de 2020, a Comunidade Santa Rosa dos Pretos promoveu uma denúncia internacional que tramita junto à Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH).

Diante desse cenário de severas violações de direitos humanos reconhecidos normas nacionais e internacionais, solicitamos deste Honorável Conselho Nacional dos Direitos Humanos (CNDH) que adote os procedimentos que julgar necessários.

Itapecuru-Mirim, 13 de maio de 2021.

Prefeito de Itapecuru-Mirim discute avanço da duplicação da BR 135 ignorando quilombolas sob risco de genocídio

A estratégia é conhecida e, até certo ponto, esperada. Mas nem por isso deixa de gerar espanto pela sua maldade e ranço colonial/patriarcal. Quando pegos em ataques racistas e machistas, os violentos que cometeram os ataques e que têm algo que consideram importante a perder – votos, um cargo, prestígio – costumam fazer o jogo do espelho pra tentar escapar das consequências: chamam pra perto de si e afagam publicamente aqueles que se parecem com as vítimas de seus ataques. Nunca chamam as vítimas diretamente afetadas, não pedem desculpas, até porque estão certos de que nunca foram violentos. Sem perceber, com o jogo do espelho, os violentos apenas repetem os ataques e refletem ainda mais as violências de que são capazes.

Diz o racista: “Eu não sou racista, até tenho um amigo negro”, e posta foto com o amigo negro.

Diz o machista: “Eu não sou machista, até acho que as mulheres devem falar”, e posta foto com a mulher que ele acha que deve falar.

Dias após os violentos ataques que cometeu no dia 08/02 contra lideranças do movimento negro do Maranhão, o prefeito de Itapecuru-Mirim, Benedito Coroba, apareceu em fotos ao lado de pessoas do CCN (Centro de Cultura Negra do Maranhão), além do vereador Roberto da Brigada – outro perpetrador de ataques – e do secretário de Igualdade Racial de Itapecuru-Mirim, Joel Marques. Este último, importante dizer, logo após o dia 08/02, para defender o prefeito que o nomeou [do que teria que defendê-lo se foi o prefeito que nos atacou?], achou por bem cometer os crimes de calúnia e difamação contra lideranças do movimento em grupo de whatsapp. Seus crimes foram prontamente denunciados aos órgãos competentes.

Pois bem. Estavam Coroba e os outros dois gestores que nos violentaram reunidos com pessoas do CCN na sede da entidade em São Luís para falar de políticas públicas para o povo quilombola. Curiosamente, eram praticamente as mesmíssimas políticas que estavam na pauta que nós, lideranças, levamos dia 08/02 para discutir com o prefeito, mas que não tivemos tempo sequer de apresentar, porque fomos recebidas aos gritos por ele e escorraçadas do prédio público. As pautas do movimento foram lidas ao vivo durante entrevista a uma rádio local um dia depois do ataque de Benedito Coroba.

O CCN é uma entidade criada pelo movimento negro, por nós, homens e mulheres que brigaram e brigam por direitos e contra violências coloniais. Uma dor imensa ver a entidade ser instrumentalizada e diminuída como se fosse aquele couro macio, o pelego, utilizado para escamotear atritos, mas sem nunca resolvê-los – ao contrário, aprofundando cisões e rupturas. Dor imensa ver o CCN ser instrumentalizado como fórmula mágica de redenção para quem calou, aos gritos, mulheres e homens pretos em praça pública, de maneira vil e vergonhosa.

Mas isso não é só.

Hoje, 19/02, a prefeitura de Itapecuru-Mirim anunciou, por meio de seu Facebook, que o prefeito Benedito Coroba, acompanhado do assessor pastor Silvano e do assessor da procuradoria geral do município Henrik Sousa, recebeu em sua residência o deputado federal pastor Gildenemyr para discutir, entre outras pautas, a duplicação da BR 135. De acordo com a nota da prefeitura, o deputado já marcou reunião com o DNIT sobre a duplicação, “defendendo que a obra chegue imediatamente à região, que passará a ter um novo modelo de urbanização, que também contará com padronização de boxes para que os moradores comercializem seus produtos com dignidade.” Importante ressaltar que o deputado pastor Gil, hoje mesmo (19/02), votou contra a prisão do deputado fascista Daniel Silveira, que foi preso em flagrante por ordem do STF porque divulgou vídeo no qual defendeu o AI-5, mais duro ato da ditadura militar.

De novo, a estratégia é velha e falida e, de novo, não deixa de ser espantoso como segue sendo utilizada: o discurso do emprego, da dignidade e do progresso supostamente trazidos por grandes empreendimentos que desalojam e matam pretos originários.

A gestão municipal de Benedito Coroba sentou-se para ouvir e discutir – e publicizar como se fosse ouro – o extermínio do povo preto quilombola em troca de boxes para moradores comercializarem seus produtos. A gestão do atual prefeito publiciza sem pudores e sem questionamento uma iniciativa que pede a chegada imediata de um empreendimento que foi embargado pelas violações contra povos quilombolas já cometidas pelo DNIT, uma obra de impactos socioambientais imensos, que nunca teve a participação e oitiva obrigatória dos povos pretos quilombolas, uma obra genocida. A prefeitura publiciza e fomenta ânimos genocidas de quem mata preto com asfalto, desterro e pandemia de Covid-19. Estamos em <<<< p l e n a p a n d e m i a >>>> e não há qualquer política de cuidado específico para nós, pretos quilombolas.

A propósito, gestores: que moradores serão beneficiados pela duplicação, se serão todos expulsos pelas obras? E que produtos serão vendidos, se já não terão terra para plantar? Os senhores conhecem a história da duplicação da BR 135 em Campo de Perizes? Conhecem a história dos que plantavam, pescavam e vendiam por lá, e que hoje já não podem plantar, pescar e vender por lá?

QUEM ACREDITA NA DIGNIDADE DE UM PROJETO QUE EXTERMINA PRETO?

QUEM ACREDITA NA DIGNIDADE DE UM PROJETO QUE EXTERMINA PRETO?

QUEM ACREDITA NA DIGNIDADE DE UM PROJETO QUE EXTERMINA PRETO?

Da varanda de casa, chefe do Executivo de Itapecuru-Mirim discute empreendimento federal que representa ameaça de genocídio a povos quilombolas

Ademais, a duplicação da BR 135 é uma questão federal, pois ameaça de genocídio milhares de quilombolas, especialmente em Itapecuru-Mirim, e especialmente no quilombo Santa Rosa dos Pretos, onde o DNIT pretende eliminar 345 casas. A duplicação da BR 135 está sendo discutida junto à Defensoria Pública da União (DPU) e ao Ministério Público Federal (MPF) desde 2017 até hoje, período em que nós, lideranças do movimento negro dedicadas à exaustão a esse tema, jamais vimos os referidos pastores, assessores, vereador, prefeito e muito menos o atual secretário de Igualdade Racial do município, nessas discussões. Há duas ACPs (Ação Civil Pública) em curso, além de uma denúncia internacional protocolada em 2020 pela Associação dos Produtores Rurais Quilombolas de Santa Rosa dos Pretos junto à Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) sobre a duplicação e a atuação do governo federal. Há, ainda, uma ACP ajuizada pelo MPF contra o Incra, que criou ilegalmente o P.A. Entroncamento sobre o território tradicional quilombola Santa Rosa dos Pretos e outros territórios quilombolas em processo de titulação. Sendo assim, qualquer intervenção estrutural das dimensões de uma duplicação de BR em um território com tão grave questão fundiária significa aprofundar e agudizar conflitos.

Com que legitimidade sentam-se estes homens numa varanda, alheios à nossa vida preta, nosso suor e nosso sangue, para decidir sobre nosso destino, sobre nossos corpos, e colocar como termos de medida de sucesso de política pública um punhado de asfalto e boxes de venda?

Questionamos aqui, publicamente, e questionaremos no âmbito legal federal, a legitimidade das tentativas de tratativas que buscam suplantar nosso protagonismo e nossa voz, e que tentam negociar com nossa vida, assumindo o risco de precipitar a nossa morte.

Como se vê, irmãs e irmãos pretos originários, desde o dia 08/02 estamos testemunhando que é preciso bem pouco para que o ódio colonial/patriarcal que ainda persiste contra nossa existência preta – especialmente a existência preta feminina – aflore sem pudores, e se espalhe, procurando seus pares onde quer que estejam para continuar reverberando.

De nossa parte, não deixaremos de reclamar nossos direitos e exigir respeito, porque não é de hoje que tentam nos calar aos gritos. Já faz séculos que nos violentam e nos negam a humanidade, das maneiras mais vis e insidiosas, e não raro, com o apoio dos nossos – nunca foram dos nossos! – , que saem correndo atrás de nós, no meio da noite, a nos caçar e entregar às feras e perguntar a elas, depois, com nosso sangue nas mãos: “era só isso, sinhô?”

Mas não será mais assim. Ganhamos mato, viramos mato, planta, palmeira, simaumeira, somos terra, e nosso horizonte sempre foi a liberdade.

Para nós, pretos originários, nenhum direito a menos, nenhuma violência a mais!

#PovoPretoVive

#PovoPretoVivo

#NaoAoGenocidioDoPovoPreto

Aos gritos, prefeito de Itapecuru-Mirim agride verbalmente lideranças quilombolas do movimento negro do Maranhão

Entre as lideranças estava o ancião Libânio Pires, de 86 anos, a gestora estadual da escola quilombola Rafaela Pires, Anacleta Pires da Silva, o pai de Santo João Batista Sousa Pereira, presidente da Utucabi, e o presidente da Unicquita, Elias Pires Belfort

Imagem da frente da prefeitura, minutos depois de as lideranças quilombolas terem sido agredidas. À direita, na parte de dentro do edifício, é possível ver alguns dos guardas chamados para estarem a postos, com as mãos no coldre.

O prefeito eleito de Itapecuru-Mirim, Benedito Coroba (PSB), protagonizou um violento e gratuito ataque moral a um grupo de lideranças quilombolas do movimento negro do Maranhão diante da sede da prefeitura na manhã do dia 08/02.

As lideranças aguardavam pelo prefeito para uma reunião previamente marcada por meio de seu gabinete no dia 04/02, com ofício protocolado e assinado por funcionária da prefeitura. Na pauta da reunião, as lideranças tinham previsto discutir temas relativos a políticas públicas da população quilombola de Itapecuru-Mirim, como a disponibilidade da vacina contra Covid-19 para povos quilombolas e tradicionais, a atualização do cadastro único das famílias quilombolas, o funcionamento dos postos e unidades básicas de saúde nas comunidades rurais, a implementação do currículo quilombola nas escolas, entre outros temas urgentes para a população preta do município.

Entre as lideranças estavam o ancião Libânio Pires, 86 anos, personalidade histórica da luta preta no Maranhão; Anacleta Pires da Silva, gestora estadual da escola quilombola Rafaela Pires, do quilombo Santa Rosa dos Pretos; João Batista Sousa Pereira, pai de Santo e presidente da União dos Terreiros de Umbanda e de Matriz Africana de Itapecuru-Mirim (Utucabi); Elias Pires Belfort, presidente da União das Comunidades Negras Rurais Quilombolas de Itapecuru-Mirim (Unicquita); Zica Pires, coordenadora geral do coletivo Agentes Agroflorestais Quilombolas (AAQ); Luiz Carlos Oliveira, presidente da associação do quilombo Santa Helena; e José da Conceição Silva, presidente da associação do quilombo Juçara.

Benedito Coroba chegou à prefeitura e passou direto pelas lideranças sem cumprimentá-las. Elas o aguardavam em pé no corredor de acesso ao edifício público. Antes mesmo de entrar no gabinete, porém, ele voltou à entrada e, em pé, diante da liderança Anacleta Pires da Silva, perguntou aos gritos: “qual é o problema?! Qual é o problema?!”

Sem entender o que estava acontecendo, e estarrecida com a violência da qual estavam sendo vítimas, Anacleta disse que ele é que teria que dizer qual era o problema.

“Eu agora recebi um telefonema do vereador Roberto da Brigada dizendo que vocês vão vir conversar comigo, que eu tenho que atender, e que vocês vão me levar para o Ministério Público, então a gente conversa no Ministério Público”, disse Coroba, causando ainda mais estranheza às lideranças. “Eu não aceito pressão de ninguém, de ninguém!”, gritou o prefeito, em seguida.

A guarda municipal foi chamada. Em poucos minutos, pelo menos seis guardas armados se colocaram ao redor das lideranças, em postura ostensiva, com a mão a postos no coldre.

O ancião Libânio Pires, desconcertado com tamanha violência por parte do prefeito, disse às demais lideranças que fossem embora. “Ele chamou a gente de ninguém, de ninguém. Ninguém é merda. Ele está dizendo que somos merda. Vamos embora daqui.”

Antes de se retirarem, as lideranças pediram ao prefeito que chamasse o vereador e policial militar José Roberto Gonçalves Alves (PROS), conhecido como Roberto da Brigada, para que ele repetisse o que havia dito de fato. O parlamentar apareceu poucos minutos depois, e repetiu o falso testemunho que dera, por telefone, a Benedito Coroba, e que este aceitou como verdadeiro. Em seguida, o vereador virou-se para o prefeito e perguntou “era só isso, doutor?”.

O vereador foi rebatido pelas lideranças, que afirmaram serem falsas suas palavras. “Me respeite, que eu não sou seu moleque!”, gritou Roberto da Brigada para a liderança Anacleta Pires da Silva. “Era só o que faltava pra gente agora, voltar à opressão de 520 anos atrás, na casa grande”, devolveu a liderança, indignada com o machismo e a postura colonialista do parlamentar, que apesar de ser negro, reproduz e reforça estruturas racistas e patriarcais, que tratam mulheres e negros como não humanos.

Benedito Coroba, ex-deputado estadual, advogado e promotor de justiça aposentado, não deu chance ao contraditório: quando as lideranças tentaram lhe dizer que as afirmações do vereador eram falsas, ele deu as costas e as deixou falando sozinhas.

Racismo e fake news: raízes da violência

Só depois de ouvirem o testemunho falso do parlamentar é que as lideranças ali presentes conseguiram entender a raiz do que estava acontecendo. “Quando chegamos à prefeitura naquela manhã para a reunião marcada, ficamos alguns minutos na praça em frente ao prédio público aguardando outros dois companheiros que ainda estavam a caminho”, relata Elias Pires Belfort.

Nesse momento, disse a liderança, o grupo foi abordado pelo vereador Roberto da Brigada, que passava pelo local e se aproximou sem ser chamado. “Ele puxou conversa falando coisas que não tinham a ver com nada do que a gente conversava ali, falou de forma confusa sobre royalties da mineração, falou de fiscalização do poder público, disse que não precisava de salário de vereador porque é militar, falou um tanto de coisa que a gente nem entendeu mesmo por que ele se aproximou de nós”, relatou Anacleta Pires da Silva.

Em determinado momento, segundo as lideranças, o parlamentar disse que investigaria a Secretaria de Igualdade Racial da gestão passada, e que levaria ao Ministério Público qualquer irregularidade que encontrasse. O presidente da Unicquita comentou com o vereador que quem coordenou a referida secretaria na gestão passada, ao longo de três anos, em conjunto com a Secretaria da Mulher, foi a esposa do atual prefeito. Disse, ainda, que atualmente foram reportadas a lideranças do movimento negro diversas retaliações de funcionários da atual gestão contra funcionários da gestão passada que permanecem no governo municipal. “Nesse momento, aproveitando que o vereador tinha puxado o assunto do Ministério Público, eu disse que essas retaliações poderiam até render denúncias ao MP, mas que o movimento não tinha feito isso por respeito ao diálogo primeiro, para tentar entender o que está acontecendo, até porque a gestão começou agora e ainda estamos tomando pé das coisas”, completou Elias.

A conversa, que era amistosa, acabou por aí, sem mais consequências. As lideranças ainda permaneceram alguns minutos na praça, e foi nesse momento que o parlamentar saiu e fez a ligação com informações falsas ao prefeito, que abraçou a mentira como verdade, e que minutos depois, violentaria com essas mentiras lideranças quilombolas do movimento negro do Maranhão.

Indicação de cabo eleitoral para direção de escola quilombola

Roberto da Brigada está em seu primeiro mandato. Como vereador, uma das suas primeiras medidas foi indicar à secretária de Educação um dos seus cabos eleitorais para dirigir a escola municipal quilombola Elvira Pires, que fica no quilombo Santa Rosa dos Pretos. A referida escola está sediada no mesmo edifício onde funciona a escola estadual quilombola Rafaela Pires, da qual a liderança Anacleta Pires da Silva é gestora.

O cabo eleitoral indicado não é quilombola, e sua nomeação arbitrária para a direção da escola pelo vereador, sem qualquer processo de escuta das lideranças do quilombo, como a Mãe de Santo, as anciãs e anciãos, as lideranças que lutaram pela conquista da escola e que lutam pela regularização fundiária, viola a cultura, a história e a forma de organização da comunidade. Viola também o que está previsto nas leis federais 10.639 e 11.645, que tratam da educação escolar quilombola e indígena. O vereador não conhece a comunidade, nem o território onde ela está inserida, e nem nunca participou de qualquer debate sobre educação quilombola em Santa Rosa dos Pretos.

A violência verbal cometida na manhã do dia 08/02 pelo prefeito Benedito Coroba e pelo vereador Roberto da Brigada contra lideranças quilombolas não foi nem a primeira do dia sofrida por elas no âmbito da gestão pública municipal. Após saírem da praça e se dirigirem à porta da prefeitura para esperar pelo prefeito, as lideranças tiveram sua entrada barrada por uma funcionária chamada Carol, que disse, com desdém: “hoje ninguém vai falar com esses quilombolas.”

Apesar da violência gratuita da funcionária, as lideranças pediram para falar com Rita Araújo, que trabalha no gabinete do prefeito e foi quem protocolou o ofício com pedido da reunião no dia 04/02. Rita apresentou-se, e pediu desculpas às lideranças pela “falta de jeito” da funcionária.

Após as tristes e violentas cenas protagonizadas pelo prefeito Benedito Coroba, pelo vereador Roberto da Brigada e pela funcionária da prefeitura Carol, as lideranças foram embora, desconcertadas com o que aconteceu, e sob os olhares das pessoas que se aglomeraram diante da prefeitura atraídas pelos gritos do gestor, e pela presença de guardas armados prontos para usar a força e a bala contra o grupo de lideranças pretas que apenas tentava discutir com o gestor temas vitais para o povo negro, que é maioria em Itapecuru-Mirim.

Libânio Pires, questionado no mesmo dia sobre o que houve na prefeitura, comentou seu desgosto com a violência sofrida, e apenas pediu, de forma irônica, que agradecessem a Benedito Coroba pelo tratamento que ele deu às lideranças quilombolas do movimento negro do Maranhão na manhã de 08/02/21.

Buracos na BR 135 e ineficiência do DNIT colocam quilombolas em risco de contaminação pelo Covid-19

Precisamente neste buraco, dezenas de motoristas já tiveram seus veículos danificados. Covid-19 pode entrar no quilombo por meio de viajantes que pedem ajuda para troca de pneus. Foto: Divulgação

Todo período de chuvas no Maranhão é a mesma coisa: a BR 135, no trecho que corta municípios como São Luís, Bacabeira, Santa Rita, Itapecuru-Mirim e Miranda do Norte – só para citar algumas cidades –, fica cheia de imensos buracos causados pela má qualidade do asfalto, da construção e da falta de manutenção sistêmica da pista.

O DNIT (Departamento Nacional de Infraestrutura de Trânsito), autarquia do governo federal responsável pela rodovia, simplesmente não consegue tapar os buracos: os que já existem, aumentam – mesmo aqueles que recebem algum remendo feito pela autarquia; e outros novos buracos aparecem todos os dias. Somado a isso, a falta de sinalização e de fiscalização de trânsito trazem como resultado acidentes com mortos e feridos, além de grandes prejuízos para motoristas que têm seus veículos danificados.

No atual contexto da pandemia de Covid-19, esses buracos têm se mostrado ainda mais perigosos e mortais para as comunidades quilombolas que são rasgadas pela BR 135: motoristas vindos de diversas partes do Brasil e que acabam tendo os pneus de seus veículos avariados nos buracos da rodovia, param para pedir ajuda nas casas de quilombolas que estão vivendo a quarentena, rompendo o isolamento das famílias e colocando-as em risco. Para não deixar os viajantes desamparados, muitos quilombolas acabam prestando auxílio e expõem-se ao risco, já que não é possível saber quem carrega o novo coronavírus, que muitas vezes não apresenta sintomas na pessoa infectada.

Cena diária no quilombo Santa Rosa dos Pretos (Itapecuru-Mirim): motoristas são obrigados a parar no quilombo para troca de pneu, e acabam solicitando ajuda aos quilombolas em quarentena. Foto: Divulgação

No quilombo Santa Rosa dos Pretos, na zona rural de Itapecuru-Mirim, formado por 350 famílias – cerca de duas mil pessoas – o perigo de contaminação tem sido diário, pois a rotina na estrada é de pelo menos um veículo avariado por dia, de manhã ou à noite. Na altura do KM 88, durante a noite e madrugada, é possível ouvir o barulho do impacto dos veículos caindo nos buracos; no caso dos caminhões, é possível ouvir o estouro dos pneus.

Ignorados pelo poder público e sem acesso a um sistema de saúde capaz de lidar com a pandemia – a comunidade não tem sequer um posto de saúde –, os quilombolas de Santa Rosa dos Pretos estão tentando, por conta própria, conter a chegada do vírus por meio do isolamento social, mas têm sido ameaçados pela ineficiência histórica do governo federal, representado neste caso pelo DNIT, em lidar com buracos na pista.

A BR 135, que há décadas leva mortes por atropelamento, poluição sonora, do ar e violações de direitos às famílias quilombolas da região – como no caso da tentativa de duplicação da rodovia de maneira ilegal, sem a consulta obrigatória aos quilombolas – agora tem levado, pelas mãos do DNIT e do governo federal, o risco de contaminação e morte pelo Covid-19. Com grande número de idosos, crianças e pessoas com problemas cardíacos e de hipertensão, a chegada do novo coronavírus ao quilombo Santa Rosa dos Pretos representaria mais um capítulo do genocídio do povo preto na região, que tem suas vidas e território violentados há décadas por empreendimentos como a BR 135, do governo federal, a Estrada de Ferro Carajás, da mineradora Vale S.A., e cinco linhões de energia da Eletronorte e da CEMAR (Companhia Energética do Maranhão).

Jovens quilombolas levam história, arte e cultura para os muros de escola pública em Itapecuru-Mirim

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Escola quilombola Elvira Pires amanheceu hoje com as cores vibrantes das nações africanas que a caracterizam. Foto: Divulgação

Um grupo de cerca de 30 jovens quilombolas do Território Santa Rosa dos Pretos, em Itapecuru-Mirim (MA), está prestes a realizar uma semana de ação artístico-pedagógica na Unidade de Educação Básica Quilombola Elvira Pires, que fica na zona rural do município.

Durante a semana que se inicia em 21 de outubro, os jovens, que fazem parte do Coletivo Agentes Agroflorestais Quilombolas (AAQ) e também estudam na Elvira Pires, realizarão em conjunto com seus colegas uma série de pinturas nos muros externos e internos da escola, decorando as paredes brancas do edifício com temas da história de África e da cultura quilombola, como o Tambor de Crioula, o tradicional Festejo do Divino Espírito Santo, o Tambor de Mina, a capoeira, as roças, as casas de farinha, as quebradeiras de coco, as árvores frutíferas, igarapés, os animais e a espiritualidade de matriz africana.

As pinturas e atividades práticas serão precedidas por rodas de conversa e troca de saberes entre alunos e professores. Também está prevista a produção de um zine com o registro das ações.

A semana artístico-pedagógica será realizada como atividade curricular, de modo que professores e alunos, de todas as séries e períodos, possam trabalhar os temas de forma interdisciplinar por meio da arte durante o horário normal de aula ao longo das atividades.

A semana de arte também servirá para auxiliar os professores e a direção da escola no preparo das alunas e alunos para as comemorações e discussões sobre o dia 20 de novembro, dia da Consciência Negra.

O colégio quilombola Elvira Pires, originalmente, já contava com as cores das nações africanas em sua estrutura, mas após recente reforma, as cores vivas deram lugar ao branco.

O projeto de valorização da história e cultura de África e dos quilombos acontece no momento em que a gestão municipal de Itapecuru-Mirim acaba de criar a Secretaria Municipal de Igualdade Racial, em reconhecimento à força dos quilombos do município. De acordo com dados da União das Comunidades Negras Rurais Quilombolas de Itapecuru-Mirim (Unicquita), o município conta com quase 70 quilombos.

Orgulho para os itapecuruenses

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Foto: Divulgação

O projeto artístico-pedagógico dos jovens do coletivo AAQ foi um dos escolhidos na chamada aberta promovida pela ONG Artigo 19. A chamada, encerrada em agosto desse ano, previa bolsas de 5 e 10 mil reais para financiar intervenções artísticas que ressaltassem o direito ao protesto como uma garantia constitucional e como uma forma de denunciar e combater violações de direitos.

Segundo a Artigo 19, que defende a liberdade de expressão e de acesso à informação, a chamada aberta recebeu 248 propostas de intervenções de todo o Brasil. Apenas 6 foram contempladas, entre elas, a proposta dos jovens do AAQ, do Território Quilombola Santa Rosa dos Pretos.

“O projeto, além de valorizar nossas raízes e cultura, é uma forma de contribuir com o município e o estado na implementação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Brasileira (LDB) e com a lei 10.639, que prevê o ensino obrigatório da história e cultura de matriz africana e indígena em todo o sistema público e privado de ensino fundamental e médio. Entendemos que a arte é uma ferramenta excelente para trabalhar esses conteúdos de forma interdisciplinar, integrando alunos e professores, apresentando novos horizontes de aprendizagem e envolvimento com a própria história”, declara Zica Pires, 25 anos, artista visual, pedagoga com licenciatura em Pedagogia da Terra pela Universidade Federal do Maranhão (UFMA), bolsista do Conselho Latino-Americano de Ciências Sociais (CLACSO) e coordenadora pedagógica do coletivo AAQ.

Em entrevista ao site, a superintendente de Ensino e supervisora Escolar do município de Itapecuru-Mirim, Edileusa Oliveira Marques, afirmou que a conquista da chamada pública pelos jovens quilombolas do AAQ “é um orgulho”.

“Pra gente é um orgulho, temos que ter orgulho da nossa raça. Se o município de Itapecuru tem uma comunidade que se destacou, para nós, itapecuruenses, é ainda mais orgulho. E isso eu falo em nome do nosso prefeito [Miguel Lauand Fonseca] e da nossa secretária [de Educação, Maria do Socorro Lauand Fonseca]”, declarou a gestora.

LDB, currículo maranhense e educação quilombola

documento curricular

A semana de ação artístico-pedagógica proposta pelos jovens do coletivo AAQ baseia-se no cumprimento da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Brasileira (LDB), que prevê como princípios, em seu artigo 3o., o pluralismo de concepções pedagógicas e a consideração com a diversidade étnico-racial.

O projeto também coloca em prática outra lei federal, a 10.639/2003, atualizada pela lei 11.645/2008, que estabelece como temática obrigatória no currículo oficial da rede de ensino fundamental e médio a história e cultura afro-brasileira e indígena.

A referida lei determina que “os conteúdos referentes à história e cultura afro-brasileira e dos povos indígenas brasileiros serão ministrados no âmbito de todo o currículo escolar, em especial nas áreas de educação artística e de literatura e história brasileiras.”

A semana de educação artístico-pedagógica elaborada pelos jovens do AAQ também põe em prática o que prevê o “Documento Curricular do Território Maranhense para a Educação Infantil e o Ensino Fundamental.” Aprovado pelo Conselho Estadual de Educação do Maranhão (CEE-MA) em dezembro de 2018, o documento serve de base para que as escolas das redes pública e privada elaborem o Projeto Político Pedagógico (PPP) e os planos de aulas dos professores.

No documento, apresentado a jovens do AAQ pela superintendente de Ensino Edileusa Oliveira Marques durante reunião na Secretaria de Educação em 18 de outubro, a arte é considerada um componente curricular privilegiado quando se trata do diálogo com as demais disciplinas do currículo escolar, “já que a aprendizagem de uma área não se desenvolve separadamente dos saberes das outras.”

O documento também afirma que o ensino da arte em toda a educação básica é fundamental para promover o desenvolvimento pleno dos alunos. “Por meio das linguagens artísticas, o aluno adquire conhecimentos específicos que possibilitam o aprender a ver, a ouvir, a pensar, a perceber e a interagir com o mundo que o cerca.”

O projeto

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Jovens do AAQ durante oficina sobre agrofloresta no território quilombola Santa Maria dos Pinheiros, em Itapecuru-Mirim. Foto: Divulgação

De acordo com Marceliana do Livramento Pires, coordenadora pedagógica do AAQ, o projeto foi elaborado com base nas conversas diárias estabelecidas pelos jovens do coletivo sobre história, cultura, educação e ancestralidade quilombola.

“Há mais de um ano a gente vem discutindo isso, pensando formas de valorizar nossas raízes e fazer com que essa valorização seja discutida dentro da escola. A proposta de ressignificação dos muros e paredes do colégio está inserida nessa discussão, porque olhamos a escola como um espaço de aprendizagem coletiva, interdisciplinar, em que alunos e professores aprendem juntos e, principalmente, vemos como um espaço onde as alunas e alunos precisam ser ouvidos e respeitados, e não apenas receber ordens para copiar coisas no caderno”, declara Marceliana, que tem três filhos – de 7, 10 e 12 anos – estudando na Unidade de Ensino Quilombola Elvira Pires.

Com a bolsa de 10 mil reais recebida, o coletivo AAQ financiará as tintas, pincéis, transporte para compra de materiais, montagem de andaimes, alimentação e pagamento dos trabalhadores que estão preparando a base dos muros para receber as atividades artístico-pedagógicas.

“Seis pintores do território se dispuseram a preparar a pintura de base dos muros externos e internos da escola antes do início da semana de atividades com os alunos. Durante o final de semana eles já colocaram nas paredes e pilares as cores das nações africanas, que são o vermelho, o amarelo, o verde e o preto”, explicou. “As atividades de pintura com os alunos do colégio terão início tão logo a pintura de base seja finalizada”, concluiu Marceliana.

Tanto a abertura quanto o fechamento da semana artístico-pedagógica serão feitos pelas caixeiras de Santa Rosa dos Pretos. No último dia será oferecido um almoço especial para os participantes das atividades.

Além dos alunos, professores e dos jovens do coletivo AAQ, a semana artístico-pedagógica contará também com a participação de professores e estudantes do Grupo de Estudos: Desenvolvimento, Modernidade e Meio Ambiente, da Universidade Federal do Maranhão (GEDMMA/UFMA) e de artistas do Quilombo Urbano, de São Luís.

O coletivo AAQ

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Jovens do coletivo durante atividade pedagógica com lideranças do território Santa Rosa dos Pretos e jovens de outros territórios quilombolas. Foto: Divulgação

O Coletivo Agentes Agroflorestais Quilombolas (AAQ) atua há pelo menos dois anos no Território Quilombola Santa Rosa dos Pretos. Um dos principais objetivos do grupo é garantir a proteção das matas e cursos d’água dos quilombos, garantir autonomia alimentar por meio da agrofloresta e autonomia política e educacional por meio de processos pedagógicos na escola.

Com o objetivo de contribuir na implementação da lei 10.639, há cerca de cinco meses os jovens do AAQ criaram um projeto político-pedagógico para a Unidade de Ensino Quilombola Elvira Pires, e o estão implementando semanalmente na escola, por meio de rodas de conversa, cinedebates e atividades artísticas sobre história e cultura quilombola ministradas pelos próprios jovens do coletivo aos seus colegas que estudam no colégio.

Recentemente, os jovens do coletivo realizaram, em parceria com lideranças do quilombo e com professoras e professores da UFMA – incluindo um professor-doutor de Guiné-Bissau – uma formação político-pedagógica para o corpo docente e administrativo do colégio Elvira Pires.

Por suas iniciativas, os jovens do AAQ conquistaram um prêmio internacional da empresa Lush, da Inglaterra. Zica Pires e o também quilombola Valbert Pires foram a Londres em 2018 representando o coletivo para receber o prêmio.

O coletivo organizou uma apresentação pública para a comunidade em 2018 para falar das atividades que realiza e do prêmio recebido na capital inglesa. Lideranças da comunidade, professores universitários, agentes e gestores públicos – entre eles o prefeito de Itapecuru-Mirim, Miguel Lauand Fonseca, e o secretário da Juventude, Cultura, Esportes, Lazer e Turismo, José de Sousa –, estiveram presentes no evento.

Outra conquista foi o edital “Enfrentando o racismo a partir da base”, do Fundo Brasil de Direitos Humanos. Por meio do edital, os jovens do AAQ estão, desde o início do ano, realizando atividades de formação política e cultural com jovens quilombolas dos territórios Santa Maria dos Pinheiros, em Itapecuru-Mirim, Joaquim Maria, em Miranda do Norte, e Quilombo Rampa, em Vargem Grande.

Recentemente, os jovens do AAQ, em parceria com jovens de Piquiá de Baixo, em Açailândia, iniciaram uma campanha internacional – “Água para os povos!” – envolvendo Brasil, Argentina, Colômbia e Peru. Na campanha, eles denunciam violações ao seu direito à água cometidas por empresas transnacionais de mineração e siderurgia.

A campanha foi ao ar dia 16 de outubro, por meio do site www.aguaparalospueblos.org. Na página do Brasil dentro do site é possível acessar textos, vídeos, fotos e áudios produzidos pelos jovens do AAQ a respeito de sua realidade no quilombo Santa Rosa dos Pretos.

Apesar de jovem, o coletivo já conquistou apoio e respeito de importantes aliados, como o Grupo de Estudos: Desenvolvimento, Modernidade e Meio Ambiente, da Universidade Federal do Maranhão (GEDMMA/UFMA), da ONG Justiça nos Trilhos, do Fundo Brasil de Direitos Humanos, da ONG Artigo 19, além do apoio de acadêmicos, educadores e estudantes do Maranhão e de outros estados.

Nova ameaça: linhões de energia de empresa privada afetarão territórios quilombolas, mas povos tradicionais não foram consultados sobre impactos

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Foi realizada no centro de Miranda do Norte na noite de 06/11, terça-feira, audiência pública sobre a instalação, naquele município, de linhas de transmissão de energia pela empresa EDP Transmissão, uma das vencedoras do leilão ANEEL 005/2016. O empreendimento, que vai de São Luís a Miranda, afetará outras quatro cidades: Bacabeira, Santa Rita, Itapecuru-Mirim e Anajatuba.

Presidindo a mesa e representando a Secretaria Estadual de Meio Ambiente (SEMA) estava o secretário adjunto de licenciamento, Diego Lima Matos. Além dele, compunham a mesa profissionais técnicos da EDP Transmissão e da JGP Consultoria, que realizou o Estudo de Impacto Ambiental (EIA) do empreendimento.

Apesar da complexidade do estudo e dos documentos produzidos – mais de 2 mil páginas de conteúdo técnico -, a SEMA e o empreendedor previram a realização de apenas três audiências públicas: a de Miranda do Norte, uma em Anajatuba e a terceira em Bacabeira. A cidade de Itapecuru-Mirim ficou de fora da agenda de audiências, embora seja afetada pelo empreendimento. A justificativa para deixar o município de fora foi o tamanho do trecho da cidade que será afetado, menor que o das demais cidades. No entanto, quilombolas de Itapecuru presentes na audiência alertaram que o trecho a ser afetado impactará terras de quilombo, e que o município não poderia ficar de fora das oitivas, uma vez que há uma legislação internacional específica que obriga que o estado consulte os quilombolas antes de iniciar empreendimentos que impactem seus territórios.

Sem consulta prévia aos quilombolas

As informações apresentadas pelos membros da mesa geraram grande preocupação a quilombolas presentes à audiência. Em primeiro lugar, porque a empresa não considerou a totalidade dos territórios quilombolas que serão impactados, tendo selecionado apenas alguns, e tão pouco mencionou a necessidade de realização de consulta prévia obrigatória aos quilombolas, como prevê a Convenção 169 da OIT (Organização Internacional do Trabalho). Em segundo lugar, porque foi o empreendedor que definiu quais serão os impactos sofridos pelos quilombolas, sem, contudo, ter ouvido essas populações de modo consistente.

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Mapa dos municípios afetados pelo empreendimento.

A ilusão dos empregos

Durante a apresentação, um representante da empresa vencedora do leilão procurou destacar que o empreendimento levará empregos para as regiões por onde passar. Ao ser questionado sobre a quantidade de empregos que serão gerados, e que tipo de empregos, respondeu que serão 200 diretos e 100 indiretos para todos os 6 municípios. Uma conta simples mostra que numa divisão igualitária, cada uma das 6 cidades impactadas teria 50 ofertas de empregos, que seriam temporários: finalizadas as obras, finalizam-se os contratos. Somando a população estimada de cada uma das 6 cidades, chega-se a uma média de 1.214.000 (um milhão, duzentas e catorze mil) pessoas que disputariam 300 vagas de empregos temporários, com uma média de 4.133 (quatro mil cento e trinta e três) pessoas por vaga.

Os impactos do empreendimento, no entanto, seriam permanentes: derrubada de vegetação – inclusive em áreas de reserva -, assoreamento e entupimento de igarapés, afugentamento de fauna nativa, aumento da temperatura em função da supressão de vegetação, entre outros graves legados.

A mão de obra que exige maior qualificação técnica será trazida de fora, segundo o empreendedor, uma vez que não haveria tempo hábil para capacitar a mão de obra local para realizar trabalhos mais técnicos – e melhor remunerados. Restará à população local basicamente os trabalhos de sempre: capina, limpeza e preparação do solo para receber a infraestrutura.

Pra onde vai a energia gerada e distribuída?

Questionado pela audiência sobre quem seria beneficiado com a energia gerada e distribuída pela nova infraestrutura que pretendem instalar, o técnico da EDP disse que não seria possível dar essa resposta com precisão, mas que a nova infraestrutura iria fortalecer toda a rede de produção e distribuição de energia no Maranhão, beneficiando diversos municípios.

A resposta, porém, não corresponde à realidade do empreendimento. No material impresso distribuído aos participantes da audiência pela própria EDP, consta que as linhas de transmissão e a subestação do lote 07 do leilão da ANEEL “servirão para ampliar a Rede Básica da ilha de São Luís, de forma a atender às cargas da região metropolitana, especialmente a região portuária e industrial.”

Esta informação coloca o novo empreendimento no mesmo lugar de exploração dos demais empreendimentos de infraestrutura energética e logística já existentes nos municípios do interior do Maranhão – especialmente em territórios quilombolas. Os linhões de energia da CEMAR e Eletronorte, a Estrada de Ferro Carajás, a Ferrovia Transnordestina e a BR 135, bem como as recentes ampliações dessas infraestruturas, servem para escoar os produtos do agronegócio e da mineração. O que fica para os municípios que servem de base a esses empreendimentos são os impactos socio-ambientais negativos, enquanto a capital do Maranhão e as empresas privadas que exploram a região portuária da ilha ficam com o lucro e os benefícios da energia gerada.

Nova audiência

Ao final da audiência em Miranda do Norte, o presidente da mesa e representante da SEMA, Diego Lima Matos, informou que novas audiências poderiam ser solicitadas à secretaria em um prazo de cinco dias a contar daquela data, 06/11. No dia 07/11, a Associação dos Produtores Rurais Quilombolas de Santa Rosa dos Pretos, em Itapecuru-Mirim, enviou e-mail à SEMA, direcionado ao secretário Marcelo Coelho e ao chefe de gabinete Sabino Rocha, e também à ouvidoria do governo do Estado, solicitando que seja realizada audiência pública no território quilombola Santa Rosa dos Pretos. Até o fechamento desta publicação, a associação comunicou que não havia retorno da secretaria.

MPF recomenda que DNIT e SEMA mantenham suspensas as obras de duplicação em terras quilombolas de Miranda do Norte

No último dia 2 de agosto, o Ministério Público Federal (MPF) do Maranhão, representado na ocasião pelo procurador Hilton Araújo de Melo, expediu recomendações ao DNIT e à SEMA (Secretaria Estadual de Meio Ambiente) para que os órgãos não retomem as obras de duplicação da BR 135 em terras quilombolas de Miranda do Norte.

A recomendação diz que antes que as obras possam prosseguir, DNIT e SEMA devem apresentar “novo estudo de impacto do impacto do empreendimento sobre as comunidades quilombolas e sobre suas terras, além da consulta prévia e informada nos termos da Convenção 169 da OIT, promulgada pelo Decreto 5.051/2004.”

A mesma recomendação já havia sido expedida pelo MPF em maio desse ano, mas referente às terras de quilombo dos municípios de Itapecuru-Mirim e Santa Rita. A distância entre a expedição de um documento e outro se deu porque as denúncias dos quilombolas de Miranda do Norte ao MPF sobre violações do DNIT chegaram meses depois que comunidades de Itapecuru-Mirim e Santa Rita já tinham formalizado ao MPF os primeiros relatos de agressões da autarquia.

A recomendação do MPF é de fundamental importância para que os quilombolas de Miranda do Norte possam agir contra as violações do DNIT em seus territórios. Lideranças quilombolas de Miranda foram informadas ontem (06/11) sobre os documentos expedidos pelo MPF ao DNIT e à SEMA.

A invasão de terras quilombolas e a continuidade das obras, mesmo com a suspensão, têm sido ações recorrentes da autarquia registrados por moradoras e moradores dos territórios e publicados neste blog.

Veja nos links abaixo os documentos enviados pelo MPF a DNIT e SEMA referentes ao município de Miranda do Norte.

DNIT_Documento PR-MA-00023037_2018_Miranda

SEMA_ Documento PR-MA-00022938_2018_Miranda

Pela quinta vez, DNIT ignora recomendação do MPF e volta a invadir território quilombola para efetuar obras de duplicação da BR 135

Moradoras e moradores da comunidade Colombo, do Território Quilombola Santa Maria dos Pinheiros, em Itapecuru-Mirim, flagraram na tarde de ontem (04/10) funcionários da empresa Hytec, contratada pelo DNIT, realizando parte das obras de duplicação da BR 135 em terras de quilombo. Apesar de estar suspensa pela Secretaria de Estado do Meio Ambiente (SEMA) e pelo Ministério Público Federal (MPF) de seguir com o empreendimento em territórios quilombolas, a autarquia federal segue desrespeitando as determinações legais e violando direitos dos quilombolas. Esta já é a quinta vez da qual se tem registro que o DNIT age de maneira ilegal dentro de terras de quilombo.

Os funcionários da empresa Hytec, sob ordens do DNIT, eliminaram vegetação e iniciaram serviço de abertura de um trecho de mais de 200 metros de extensão dentro do Território Santa Maria dos Pinheiros para acomodar o que seria a segunda pista da BR. Ao notarem a presença das máquinas, residentes de Colombo dirigiram-se ao local e solicitaram a paralização do serviço. O encarregado de obra da empresa Hytec, Victor Celso, alegou desconhecer se tratar de um território quilombola – o que causou estranheza, uma vez que o DNIT já foi notificado sobre a paralização das obras em Santa Maria dos Pinheiros e que a notícia da suspensão das obras já esteja circulando na imprensa nacional desde junho desse ano.

Um fato que preocupou os moradores que flagraram a ilegalidade cometida por DNIT e Hytec é que as máquinas da empresa estão estacionadas dentro da fazenda de um latifundiário que ocupa irregularmente as terras quilombolas de Santa Maria dos Pinheiros. Moradores de Colombo perguntaram o nome do fazendeiro ao encarregado de obras da Hytec, mas ele afirmou desconhecer – embora guarde as máquinas da empresa no quintal do latifundiário.

Esta nova denúncia foi encaminhada à Defensoria Pública da União (DPU) e ao Ministério Público Federal na manhã de hoje (05/10) para que sejam tomadas as providências cabíveis contra mais essa violência cometida pelo DNIT.

Assista abaixo ao vídeo feito por morador de Colombo com o flagrante de ilegalidade cometida pela autarquia.

Em audiência pública, quilombolas apresentam ao DNIT os limites de suas comunidades para evitar que a autarquia siga invadindo seus territórios

No último dia 9 de agosto, foi realizada audiência pública entre a Defensoria Pública da União (DPU), quilombolas de comunidades atingidas pelas obras de duplicação da BR 135 no Maranhão e o DNIT, responsável pelo empreendimento. Também participaram do encontro técnicos do Incra Maranhão, o superintendente da Fundação Cultural Palmares (FCP) no Estado, além de professores da Universidade Federal do Maranhão (UFMA) e profissionais da psicologia, geografia e comunicação que prestam assessoria técnica às comunidades afetadas.

A audiência, realizada no auditório da DPU em São Luís, teve como objetivo discutir os limites geográficos e localização das comunidades afetadas pelas obras e acordar critérios comuns para definir onde o DNIT não pode, por agora, seguir com o empreendimento. A autarquia nunca cumpriu a legislação internacional que obriga a realização de consulta prévia aos povos tradicionais nos casos em que o empreendimento gera impacto aos povos e seus territórios. Diante dessa violação, o DNIT foi denunciado à DPU e ao Ministério Público Federal (MPF) pelos quilombolas, e agora precisa adequar sua atuação para não continuar às margens da legalidade.

A estratégia da autarquia para seguir avançando ilegalmente com as obras sobre terras quilombolas tem sido alegar desconhecimento sobre os limites dessas terras e, principalmente, afirmar que elas não são quilombolas. Com essa estratégia, o DNIT questiona a própria identidade ancestral dos povos que tem violado. Em dezembro de 2017, logo após as primeiras denúncias de ilegalidade, o DNIT chegou a afirmar, textual e publicamente, que os quilombolas cujos territórios são margeados pela BR 135 são “invasores” das terras da União.

Apesar de as obras terem sido suspensas nas terras de quilombo dos municípios de Itapecuru-Mirim e Santa Rita, a autarquia segue ocupando os territórios com máquinas e utilizando estratégias de violência simbólica e física, como este blog já registrou em distintas ocasiões. Enquanto acontecia a audiência no auditório da DPU em 9 de agosto, a reportagem do site recebeu fotos tiradas na tarde daquele dia por quilombola do território Joaquim Maria, em Miranda do Norte, mostrando pelo menos três tratores e um caminhão realizando obras de duplicação na BR 135.

Durante a audiência, técnicos do DNIT demonstraram dificuldade em compreender termos e conceitos relativos à vida, terra e territorialidade dos povos tradicionais, apesar de a autarquia estar assentada há quase 80 anos sobre as terras desses povos. O próprio critério de auto-identificação quilombola é questionado pelo DNIT, o que demonstra desconhecimento sobre leis federais e internacionais sobre o assunto.

Como encaminhamento da reunião, foi definido que o Incra Maranhão, a FCP Maranhão e as comunidades quilombolas de Miranda do Norte, Itapecuru-Mirim e Santa Rita, juntamente com a universidade, atualizarão, cada qual, seus mapas sobre os territórios impactados pela BR 135. A partir da sobreposição desses mapas, serão definidos com maior precisão os limites territoriais quilombolas onde a autarquia não poderá atuar até que cumpra a obrigação legal de realizar a consulta aos povos, além de produzir novos estudos que apontem, de fato, os impactos das obras sobre esses territórios.

Resta saber se a autarquia respeitará as decisões, ou se continuará ignorando determinações legais e invadindo terras quilombolas.

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Engenheiro do DNIT afirmou que a duplicação salvará vidas. Ele não citou, porém, os dados da Polícia Rodoviária Federal que mostram que quase 60% dos acidentes com morte em um trecho de 125km da BR estão acontecendo, precisamente, nos 25km de trecho duplicado até o momento.