DNIT volta a coagir e ameaçar moradores de Colombo: “vocês não são quilombolas coisa nenhuma”

No último dia 26 de julho, cinco funcionários do DNIT dirigiram-se a um morador da comunidade Colombo, no Território Quilombola Santa Maria dos Pinheiros, em Itapecuru-Mirim (MA), exigindo que ele assinasse um documento. De acordo com o morador, o funcionário do DNIT informou que o documento comprovaria que ele aceitava uma indenização da autarquia pela desapropriação de um pequeno coreto que ele construiu em frente à sua casa. Ciente de que as obras de duplicação da BR 135 foram suspensas em áreas de quilombo pela Secretaria Estadual de Meio Ambiente (SEMA) e pelo Ministério Público Federal (MPF), e de que o DNIT não dispõe de verbas para nenhuma indenização nesta fase das obras, o morador de Colombo recusou-se a assinar o documento, e explicou seus motivos.

Diante da negativa, o funcionário do DNIT irritou-se com ele e o ameaçou, dizendo que se não assinasse o documento “por bem”, a Justiça seria acionada contra ele, e ele perderia direitos. O funcionário também disse que o homem, bem como os demais moradores da comunidade, não eram quilombolas “coisa nenhuma”, e que “isso era coisa do pessoal de Santa Rosa dos Pretos, que estão se metendo na questão da duplicação em Colombo de salientes que são.”

Ao relatar o caso para formalizar uma denúncia à Defensoria Pública da União (DPU) e ao MPF, o morador de Colombo afirmou que sentiu-se ameaçado e coagido com a abordagem, além de bastante humilhado ao ter sua identidade quilombola e sua ancestralidade violentadas pelo funcionário da autarquia.

Este já é o quarto registro formal de violação do DNIT às determinações da SEMA e MPF para que a autarquia suspendesse as obras, e é o segundo em que funcionários da autarquia violentam a identidade quilombola dos moradores do território Santa Maria dos Pinheiros.

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Coreto construído por morador de Colombo diante da casa onde vive

Indenização que não existe

O DNIT esteve na semana do dia 23 de julho na comunidade Pindoval, no Território Quilombola Joaquim Maria, no município de Miranda do Norte, oferecendo indenização pela desapropriação de imóveis. Um morador da comunidade que foi abordado por funcionário da autarquia ficou assustado e temeroso com o contato, e dirigiu-se até o quilombo Santa Rosa dos Pretos para pedir ajuda a algumas lideranças de lá no sentido de buscar um advogado que pudesse defendê-lo. O morador de Pindoval foi informado sobre a atuação do MPF e da DPU no caso, e foi orientado a buscar informação com as lideranças do território Joaquim Maria, que já estão a par do assunto.

O defensor público da União, Yuri Costa, informou que durante reunião realizada em fevereiro desse ano entre o DNIT e a DPU em Brasília, a autarquia descartou qualquer possibilidade de indenização para esta fase da duplicação da BR 135, o que contradiz as recentes – e insistentes – promessas de indenização feitas pela autarquia a comunidades impactadas pelas obras.

Estratégia de difamação e criminalização

Ao tentar enquadrar os quilombolas de Santa Rosa dos Pretos enquanto intrometidos, salientes e causadores de confusão, o DNIT reutiliza uma velha estratégia de difamação e criminalização de lideranças com o intuito de amedrontar as comunidades e enfraquecer a luta contra violações de direitos. A estratégia baseia-se na propagação de mentiras e distorções a respeito das comunidades e suas lideranças, e na tentativa de convencimento dos moradores das comunidades de que se eles se aliarem a quem faz resistência ao empreendimento poderão perder direitos, benefícios, oportunidades de emprego e inclusive ser presos. Tal estratégia costuma ser utilizada por empresas privadas e órgãos públicos flagrados violando direitos humanos, sociais e ambientais.

 

DPU oficia DNIT para que autarquia ouça, finalmente, as comunidades quilombolas impactadas pelas obras de duplicação da BR 135

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Defensor público da União, Yuri Costa (ao centro), conversa com lideranças do Território Quilombola Santa Rosa dos Pretos durante audiência pública no MPF em 9 de julho de 2018. Foto: Dayanne Silva

No último dia 12 de julho, a Defensoria Pública da União (DPU), por meio do defensor Yuri Costa, oficiou o DNIT sugerindo que a autarquia aponte uma data e local para ouvir, das próprias comunidades quilombolas, quais os limites geográficos e quantitativo real de comunidades impactadas pelas obras de duplicação da BR 135. O ofício foi enviado três dias após a primeira audiência pública entre quilombolas e o Ministério Público Federal (MPF) para apurar as denúncias de violações cometidas pelo DNIT durante as obras de duplicação. O foco da reunião com o MPF, além das próprias denúncias, foi a tentativa de delimitação geográfica precisa de cada uma das comunidades impactadas.

O enfoque tanto do MPF quanto da DPU na identificação e localização das comunidades é fundamental, entre outras coisas, para que o DNIT pare as obras de duplicação dentro de comunidades quilombolas até que as mesmas sejam consultadas sobre o empreendimento como obriga a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT). Em função de o DNIT não ter cumprido com esta obrigação antes de iniciar o empreendimento, desde fevereiro desse ano as obras de duplicação da BR 135 estão suspensas em terras de quilombo dos municípios de Itapecuru-Mirim e Santa Rita. A suspensão ocorreu após denúncias de violação terem sido protocoladas pelo território Santa Rosa dos Pretos (Itapecuru-Mirim) junto à DPU em 2017. As obras em terras quilombolas só poderão ser retomadas depois que o DNIT realizar novo estudo de impacto sobre as comunidades e suas terras, e de realizar a consulta prévia aos povos quilombolas nos termos da Convenção 169 da OIT.

Defensora Pública da União ouve denúncias de quilombolas do Maranhão contra o DNIT durante audiência

No último dia 20 de junho, a Defensoria Pública da União (DPU), representada pela defensora Carolina Balbinott, esteve no quilombo Santa Rosa dos Pretos, em Itapecuru-Mirim (MA), para ouvir pessoalmente, pela primeira vez, denúncias de quilombolas sobre a atuação do DNIT em seus territórios. Desde fins outubro de 2017, tanto a DPU quanto o Ministério Público Federal (MPF) têm sido notificados por lideranças quilombolas sobre as ilegalidades cometidas pelo DNIT nas obras de duplicação da BR 135. A autarquia iniciou as obras sem realizar a consulta prévia aos quilombolas, como determina a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT). Além disso, a autarquia desrespeitou condicionantes das licenças de instalação ao suprimir vegetação e realizar obras hidráulicas em igarapés, desviando e entupindo os cursos d’água.

A audiência realizada no dia 20 de junho na Escola Quilombola Elvira Pires, em Santa Rosa dos Pretos, contou com a participação de cerca de 100 pessoas, entre membros de comunidades quilombolas de Miranda do Norte, Itapecuru-Mirim e Santa Rita, o representante regional da Fundação Cultural Palmares no Maranhão (FCP), George Alan, a Superintendente da Secretaria de Igualdade Racial de Itapecuru-Mirim, Eliane Cardoso Santos, o presidente da Câmara dos Vereadores de Itapecuru-Mirim, Carlos Júnior, além de aliados das/os quilombolas na luta contra as violações de seus direitos: Comissão Pastoral da Terra (CPT), Grupo de Estudos: Desenvolvimento, Modernidade e Meio Ambiente, da Universidade Federal do Maranhão (GEDMMA/UFMA), o Instituto Federal do Maranhão (IFMA), e a UNIQUITA (União das Associações e Comunidades Negras Rurais Quilombolas de Itapecuru-Mirim). O Movimento Quilombola do Maranhão (MOQUIBOM) não pôde comparecer, mas enviou seu abraço solidário às irmãs e irmãos de quilombo reunidos na audiência. A ONG Artigo 19, também aliada da luta dos povos quilombolas no Maranhão, viabilizou a confecção dos materiais de divulgação da Campanha Nacional pela Consulta Prévia ao Povos Quilombolas do Maranhão afetados pelas obras de duplicação da BR 135. A campanha foi lançada oficialmente ao final da audiência.

Denúncias

Ao longo de mais de sete horas de audiência, quilombolas expuseram as violações e destruições já perpetradas pelo DNIT. Os relatos mais recorrentes foram os de entrada nos territórios sem autorização, derrubada de árvores frutíferas e obras em igarapés que acabaram por entupir os cursos d’água. No Território Quilombola Santa Maria dos Pinheiros, em Itapecuru-Mirim, dos 12 igarapés existentes, 10 já foram entupidos pelo DNIT.

Outra violação recorrente é o acosso perpetrado pelo DNIT e por empresas contratadas por ele para que quilombolas assinem documentos da autarquia e entreguem seus documentos pessoais para serem anexados a formulários internos que nada explicam sobre as obras, impactos ou direitos dos povos afetados. Há casos em que pessoas que não sabem ler, mas apenas assinar o nome, foram ludibriadas a assinar documentos do DNIT que estão sendo usados como prova de anuência de quilombolas para a execução das obras.

Para além das violações cometidas pelo DNIT nas obras de duplicação, foram muitos e repetidos os relatos sobre os impactos da construção da própria BR 135 no início de 1940. Há mais de 70 anos, comunidades quilombolas rasgadas e divididas ao meio pela BR vem sofrendo com mortes de pessoas e animais por atropelamento, ruído, poluição sonora, do ar, corte de árvores, assoreamento de igarapés, aumento de temperatura em função da impermeabilização do solo e outras tantas consequências da construção – também marcada por violações – da primeira via da estrada. Muitas falas de quilombolas deram conta de que a duplicação não é uma obra necessitada, nem desejada e muito menos demandada pelas comunidades – como atesta o DNIT no Estudo de Impacto Ambiental (EIA) sobre as obras de duplicação. Para a maioria presente à audiência, as obras de duplicação não devem acontecer.

Encaminhamentos

Três encaminhamentos foram tirados da audiência com a defensora pública da União Carolina Balbinott:

  1. envio das denúncias, pela DPU, ao Ministério Público Federal. O MPF já instaurou inquérito civil para apurar denúncias protocoladas em novembro de 2017 pela Associação dos Produtores Rurais Quilombolas de Santa Rosa dos Pretos, e vem compilando novas denúncias de outras comunidades impactadas;
  2. imediata e total paralisação das obras em todos os territórios quilombolas de todos os municípios afetados pela duplicação. Em decisão da Secretaria Estadual de Meio Ambiente (SEMA) e do MPF, as obras foram suspensas nos territórios quilombolas de Itapecuru-Mirim e Santa Rita. As cidades de Bacabeira e Miranda do Norte, que são impactadas pela duplicação, também são compostas por terras quilombolas atravessadas pela BR 135, mas não constam na suspensão da SEMA e MPF. A DPU pretende garantir esta suspensão aos territórios quilombolas dos dois municípios;
  3. realização de reunião entre quilombolas, DPU e MPF. A data ainda será definida.